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Fragmentos

 SUA EXCELÊNCIA, O CANDIDATO

 

Você, que está se escondendo atrás de um poste.

Você, que consegue ser pixado em muros.

Você, que permanece grudado nos mais possíveis lugares.

Você, que está sujando as calçadas com sua obrigatória presença.

Você, que depreda fachadas das casas públicas com seu frio e calculista sorriso.

Você, que fere as árvores com pregos e martelos, para tentar deixar em pé o seu nome.

Você, que “não dava a mão a pobre nem carregava embrulhos”, mas apesar do seu orgulho, dá tapinhas falsos nas costas de quem não gosta.

Você, que promete o impossível!

Você que “vende a mãe” se preciso for, para conseguir seu objetivo.

Você, que trocou muitas vezes de chapéu e agora aceita usar o do inimigo, deixando a guerra hibernar por algum tempo.

Você, que não se limita a adentrar os lares no horário legalmente permitido, tentando arrombar as portas.

Você, que tenta subir pisando em seu concorrente, usando de artifícios, até mesmo, criminosos.

Você, que mesmo não confessando, ainda pensa em continuísmo de mordomias e locupletação.

Você, que teima em sujar a sua cidade.

Você, que ainda acredita no efeito dos famosos “santinhos” impostos pelos seus números e promessas.

Você, que só está a se utilizar do povo e depois esquecer as necessidades sociais.

Você, que se vestiu de cordeiro, embora seja lobo, e sai `as ruas à cata de vítimas.

Se você não se enquadrar em qualquer desses tipos, tenha a certeza que se tornará em novembro, SUA EXCELÊNCIA, o meu candidato!

 

                     OS PRATOS DA BALANÇA

            “Toda moeda tem cara e coroa”.

            “Araruta também tem seu dia de mingau”.

            “Depois da tempestade vem a bonança”.

            O dualismo é uma permanente na história humana e, maniqueisticamente as coisas boas correspondem às más. Variam apenas as proporções.

            A física demonstra que a toda ação corresponde uma reação que é igual, em sentido contrário.

            Todas as coisas ruins que 1983 nos apresentou tiveram, como reverso, a oportunidade de demonstrar que, apesar de tudo, devemos, precisamos e podemos manter a fé na espécie humana.

            As diversas catástrofes que atingiram o mundo neste ano aziago, quer provocadas pelo homem, quer provocadas por destemperos naturais, nos fizeram ver que ainda existe solidariedade entre os homens que, irmanados na dor, somaram esforços para minorar sofrimentos de seus semelhantes.

            As agruras econômico-financeiras, provocadas pelo desvario daqueles que fazem do lucro sua razão de viver, tiveram como resposta um esforço para encontrar soluções, em que mais uma vez patenteou-se o espírito inventivo do homem.

            As ameaças à saúde, talvez à própria vida, que alguns dementes militaristas insistem em lançar sobre a terra, a cada dia que passa têm encontrado maior oposição, o que demonstra que o respeito pela vida e a consciência vêm ganhando terreno sobre a desumanidade e o holocausto.

            Há algum tempo, pregava-se a bondade e a caridade. Hoje isto não é mais o suficiente; exige-se justiça social. A tomada de consciência do que estas duas palavras representam pode pesar decisivamente no futuro da humanidade.

            Se pudéssemos colocar nos pratos de uma balança tudo o que de bom e mau aconteceu neste ano que se encerra, indiscutivelmente, o segundo prato, o das agruras e aflições, pesaria bem mais.

            A esperança está em que o prato da felicidade não ficou vazio.

            Depende do esforço de cada um de nós, que em 1984 encontraremos um maior equilíbrio ao conferirmos o fiel da balança. Este equilíbrio será conseguido com responsabilidade, respeito ao próximo, dignidade de propósitos, honestidade, justiça e caridade.

            Que este esforço se realize e frutifique.

            Que, ao menos, se equilibre a balança.

            São meus votos para 1984.

(Crônicas retiradas de Década, 1989).