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Fragmentos

eu te queria num parto inverso
não em verso
parir-te, enfim,
para dentro de mim

 

Não sou musa sou poeta

Musas são diáfanas, acariciam como a seda,

leves como uma pena ao vento.

 

Eu carrego em mim o peso de um bloco de mármore

E rasgo a carne como o ferro

 

Musas caminham nas pontas dos dedos,

admiram Sade, Foucault e Loyola.

 

Eu caminho coxa arrastando este fantasma,

todos eles me estudaram e nunca me entenderam

 

Musas tem bundas, seios e sorrisos fáceis

eu não tenho corpo, sou bela como um vulcão.

 

Musas caminham de mão dadas ao seu lado

e despertam a inveja dos seus amigos

 

Eu caminho sozinha mesmo na multidão

e uso minhas mãos para tirar as pedras do caminho

 

Musas estudam arte, cinema, música e poemas

eu vomito palavras, erro os acentos e troco os pronomes

 

Musas nasceram para serem amadas e

eu, poeta que sou, nasci para amar

Amar a ti, aos pássaros e ao cão morto na esquina

 

ode aos rotos

aos miseráveis,

os rotos são flores do esgoto.

 

são mortos vivos

no shopping do crack.

 

esfarrapados da moda

nunca roubam o suficiente

para uma conta na Suiça.

 

mendigos,

exibidores de feridas,são sobras

sem uso social, dejetos humanos.

 

são nossas fezes depois do banquete.

espelhos do nosso egoísmo,

reflexo sem maquiagem

prova da nossa existência,

são o outro.

 

vire o rosto, não veja agora,

mas o você sem dente

sorriu para você,

enquanto fuça na lixeira.

 

Os poemas sangram

 

Assim como as mulheres

Os poemas sangram

 

Quando escritos

Gotejam pelo vão das palavras

Mancham páginas pálidas

 

Quando recitados,

É possível ver fios de sangue

Nas gengivas declamantes

 

Hematófobos ao lerem sentem:

aceleração de batimentos do coração, suor,

alteração na respiração, dilatação da pupila,

borboletas no estomago

 

Assim como no amor, se prepare

Para a luta ou fuga

O poema não dá trégua