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Fragmentos

SOB UM CÉU DE ACASOS

há um tempo em que as ilusões se dissipam

e a corda que nos sustentava se rompe

há um tempo em que as hastes se curvam

derrubando as flores soberbas

os botões que seriam buquês

 

há um tempo em que as pedras se trincam

raridades se partem

achados se perdem

e ninguém sane aonde foram parar os poemas

os guarda-chuvas

os sortilégios

os pássaros

as bonecas das meninas mortas

 

os chapéus que sumiram na ventania

há um tempo um tempo um só tempo

depois não hã mais tempo

porque soaram as sirenes que proíbem a fantasia

a realidade não acolhe planos

sob um céu de acasos e sonhos minados

 

QUASE A INFÂNCIA

na tarde líquida

caramujos deixam viscosidade e grude

entre as árvores

cascam camuflam-se nos troncos

até que antenas marrons

despontam para lembrar

que é tenso e úmido

lamber escargots

como o primeiro beijo

prossigo entre as folhas

em rotas de seda

tecelã da brisa que acende

a memória de um canto breve

até a última ciranda

perdida nos galhos

trincar a fruta

entre a língua

o gozo

e o sumo

 

FINISHED

porque há canções de chegada

e há canções de partida

o coração tomo pela mão

quebrável

 

no último beijo

transversal de línguas

poliglota

falo de amor

delicadezas doem

 

não sei se já disseram

mas você sabe como matar pássaros

 

SONO CÓSMICO

há dias em que não sabemos

a que tribo pertencemos

a que rio

a que pântano

a que reino em flor

em barro

quinta-essência

carne e lágrima

matéria enigmática

poeira galáctica

que expele o futuro dos homens

 

mas não há nada

que os deuses confabulem

que valha perder o barulho

da chuva

a aí, tanto faz,

inseto, planta,

a humanidade possível

a expressão do inexprimível

que oscila entre a solidão

e a beleza destinada à

construção das pétalas

ou das palavras

eu, mulher mandrágora,

bebo o orvalho dessa noite

e estico membros

seivas e raízes.

enfeitiçada pela vida

alcanço o húmus

das árvores dos quintais

e, sem incomodar ninguém,

volto à terra

adormecendo em meu sono

de auroras boreais.

(Poemas retirados de 101 poetas paranaenses, 2014)